“Pedro, can you help me?”
Com o olhar permeado pela curiosidade, ele deixa seu lugar à mesa e aproxima-se dos recipientes dispostos lado a lado no laboratório. Cuidadosamente, deposita as gotas de corante na água recém-coletada.
Depois dele, outros estudantes vão sendo chamados para contribuir com o experimento: misturam o líquido, despejam-no no balão de fundo chato, no de destilação, no béquer e no Erlenmeyer. Ganham tempo para observar e analisar os materiais, a fim de, posteriormente, dividir com os colegas as hipóteses elaboradas acerca da atividade prática.
Guiados pelos questionamentos que proponho, unicamente, atuando como mediadora na construção do conhecimento, eles descobrem que os líquidos – objeto de estudo daquela aula – têm como característica o fato de não apresentarem uma forma própria.
Chegam a tal conclusão sozinhos, depois de perceberem que a água colorida se transforma tão logo é acondicionada em um novo recipiente. Além disso, reconhecem a mesma propriedade na vivência cotidiana: na produção de cubos de gelo, na elaboração de bolos caseiros redondos ou retangulares, nas próprias garrafas de água que levam para a escola.
Ao fim do percurso experimental, peço, então, que registrem suas descobertas em uma folha de papel. Como no 1º ano do Ensino Fundamental os estudantes ainda não estão inteiramente apropriados do sistema de escrita da língua materna, eles utilizam o desenho para representar as conclusões obtidas.
Neste momento, a aprendizagem ganha mais sentido: em vez de somente internalizar um conhecimento compartilhado pela educadora, eles têm a oportunidade de exteriorizar os saberes que construíram.
Não ofereça a conclusão; ensine a pensar
Uma prática pedagógica que possibilite ao educando assumir o protagonismo do processo de aprendizagem é mais trabalhosa. Requer planejamento, organização, disposição, recursos e ambientes que viabilizem seu desenvolvimento. O experimento relatado anteriormente, por exemplo, durou cerca de 45 minutos.
Poderia ter sido abreviado, ainda em sala de aula, com uma objetiva explicação de que “liquids don’t have their own shape” ou a cópia de tal sentença no caderno. Dessa forma, no entanto, os estudantes seriam privados de vivenciar as etapas do fazer científico, bem como impedidos de desenvolver um olhar crítico e investigativo sobre o processo.
Ao vislumbrar a disciplina de Ciências como integrante de um currículo bilíngue, tal metodologia ganha ainda mais importância. Porque, uma vez que a aprendizagem se dá por meio de uma língua adicional – neste caso, a Língua Inglesa –, as crianças se sentem mais motivadas e estimuladas a aprender quando conseguem visualizar os conceitos.
A proposta de “hands on”, ao mesmo tempo que oportuniza a ampliação do repertório linguístico, auxilia-as a estabelecerem, de forma lúdica e prazerosa, a relação entre significante e significado. Ou, tomando por empréstimo a definição do linguista Ferdinand de Saussure (2012), os estudantes tornam-se capazes de ligar uma imagem acústica ao seu conceito.
Assim, ao transitarem por todas as fases que compreendem o letramento científico, desde a identificação de uma situação-problema à avaliação dos resultados obtidos, os aprendizes tornam-se capazes de apresentar suas descobertas apropriando-se do vocabulário da língua-alvo ou recorrendo ao “translanguaging” – utilização híbrida de dois sistemas linguísticos para a construção de conhecimento e sentido.
Numa folha qualquer eu desenho… o que eu aprendi
Tão importante quanto estimular e apreciar a produção oral dos estudantes, a partir de suas ideias e pontos de vista acerca do experimento, é assegurar que eles expressem suas percepções em um registro. Essa, aliás, é uma etapa fundamental na produção de conhecimento científico.
Ao materializar a análise sobre o que observou e compreendeu, a criança reforça as aprendizagens construídas e é incentivada a refletir sobre suas descobertas, além de ter sua criatividade e autonomia estimuladas.
Em minha experiência profissional com os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, identifiquei que, ao depositar no papel sua experiência frente à atividade prática realizada, os estudantes demonstravam mais facilidade em compreender os conceitos e em transpô-los para situações do dia a dia.
Além disso, o papel colorido, uma vez que se destacava das demais linhas do caderno, contribuía para a comunicação visual. Dessa forma, eles evidenciavam mais naturalidade ao relacionar o experimento ou a atividade prática à linguagem empregada para se referir ao conteúdo – diferentemente de quando, por exemplo, apenas reproduziam o modelo orientado no quadro.
Por isso, ao findar cada experiência, independentemente do ambiente de aprendizagem em que ela ocorra, os meus estudantes sabem que terão a oportunidade de expressar sua subjetividade. Ainda que a Ciência seja uma área do conhecimento que opera sob uma ótica mais objetiva, o ensino bilíngue está intrinsecamente relacionado à linguagem – e esta é a única possibilidade de subjetividade, pois, como pontua o linguista Émile Benveniste (1995), “é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito”.
É por meio dela, igualmente, que os pensamentos se organizam e são comunicados aos outros; que a criança é capaz de nomear e interagir com o universo que a cerca e, por conseguinte, construir, simbolicamente, os significados do mundo e de si mesmo.
Referências
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. Campinas, SP: Pontes, 1995.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 28 ed – São Paulo: Cultrix, 2012.