Esta pergunta parece o melhor ponto de partida para essa discussão, já que a avaliação é uma faceta extensa e importante do processo ensino-aprendizagem. Independentemente dos instrumentos escolhidos, do cálculo de notas e da cultura organizacional, todo processo avaliativo deve ter um propósito, normalmente orientado pela visão institucional sobre a avaliação.
Sendo assim, há duas tendências maiores que possibilitam a classificação de uma avaliação de acordo com o seu propósito. Se o objetivo é verificar se aprendizagens foram adquiridas ou se objetivos pedagógicos foram cumpridos, nos referimos à avaliação a serviço da classificação (ou seleção). Nessa tendência, ainda amplamente utilizada na educação brasileira, encontramos a visão mais tradicional sobre avaliação e testagem: a reprodução de informações e conhecimentos no momento da prova, com erros e acertos contabilizados para gerar uma nota ou um conceito.
Por outro lado, se o objetivo da avaliação é identificar lacunas de aprendizagem, controlar o fluxo dos conhecimentos abordados em aula e identificar estratégias efetivas de ensino para os estudantes, trata-se de avaliação a serviço da aprendizagem. Nesse paradigma, os processos avaliativos são voltados para o levantamento de informações que auxiliam e informam a prática pedagógica do docente em um processo contínuo, levando a reflexões e alterações na práxis.
Com tal distinção em mente, podemos olhar para o que diz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em seu artigo 24:
V – a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;
Ao descrever uma avaliação contínua e cumulativa com foco nas características qualitativas e em resultados ao longo do período, pode-se dizer que, para a LDB, a avaliação está a serviço da aprendizagem. Ainda assim, um dos mais importantes exames da educação brasileira (ENEM) é de natureza classificatória. O seu uso como meio de acesso ao ensino superior implica consequências para as práticas avaliativas de toda a educação básica, que quase sempre resultam em uma nota acima ou abaixo de uma nota de corte, significando aprovação ou reprovação, características da avaliação a serviço da classificação.
A resposta à pergunta motivadora, portanto, está relacionada às concepções individuais de educação e avaliação, já que um mesmo instrumento avaliativo, como o exame, pode ser usado tanto a serviço da seleção quanto da aprendizagem, a depender do propósito desenhado pelo educador ou pela instituição. Desta forma, podemos refazer a pergunta inicial: você tende a avaliar se os aprendizes aprenderam ou para ajudar os aprendizes a aprender?
Dependendo da sua resposta, talvez você esteja examinando mais que avaliando.
Qual a diferença entre avaliar e examinar?
Para Cipriano Luckesi, o ato de examinar tem três características principais: é pontual, já que considera apenas conhecimentos, atitudes e habilidades no momento do exame; é classificatório, permitindo que os aprendizes sejam ranqueados de acordo com a performance no exame; e, por consequência, é também seletivo, já que separa os aprendizes em categorias como acima ou abaixo da média, aprovados ou reprovados, suficientes ou não.
Já o ato de avaliar tem características opostas: não é pontual, ou seja, é realizado ao longo de toda a trajetória do aprendiz; é dinâmico, pois não se preocupa em classificar os estudantes entre si, e sim em propor melhorias constantes – na aprendizagem, na prática docente ou até nos próprios processos avaliativos; e, finalmente, é um processo inclusivo, já que será útil e importante para a aprendizagem, independentemente do estágio atual de desenvolvimento do estudante.
Luckesi entende que essa divisão é suficiente para separar a avaliação do exame, mas autores como Perrenoud e Bandura ampliam o escopo da avaliação com objetivos diagnósticos, formativos e/ou somativos, inseridos no contexto dos ciclos de aprendizagem. E buscam também incluir componentes de autoavaliação por parte dos aprendizes ao conjunto de práticas avaliativas.
Na realidade da escola, tanto a avaliação quanto o exame são amplamente utilizados. Muitos educadores utilizam a avaliação diagnóstica em seu dia a dia – por meio de instrumentos formais, perguntas feitas oralmente ou até mesmo com a simples observação dos estudantes ao longo das aulas. Também não é raro encontrar avaliações formativas, mesmo que voltadas apenas para aspectos comportamentais e atitudinais nos quais os estudantes são avaliados ao longo de todo um ciclo ou período. Já as avaliações somativas estão presentes na maioria das escolas, muitas vezes devido à necessidade legal perante as Secretarias de Educação. É importante ressaltar que a avaliação somativa, utilizada na maioria das escolas, é referente ao resultado dos períodos (bimestres, trimestres e ano letivo), e não necessariamente ao instrumento ou prova utilizado: ao término do período estabelecido, é calculada uma nota final, composta pela nota de diversos processos avaliativos, incluindo os exames.
Podemos então classificar essas avaliações também de acordo com o período em que são realizadas no ciclo de aprendizagem e com seu propósito específico. As avaliações diagnósticas acontecem no início do ciclo e buscam informar o educador sobre o estado atual de desenvolvimento e conhecimento prévio dos estudantes. Já as formativas são desenvolvidas ao longo de todo o ciclo, ajudando a regular o processo ensino-aprendizagem e fomentando ajustes à práxis. Finalmente, as avaliações somativas são realizadas no fim de cada ciclo, celebrando seus objetivos.
Para melhor perceber a utilização de um mesmo instrumento nas perspectivas do exame e da avaliação, reflita sobre sua resposta a esta situação: um estudante que acabou de entregar a prova bimestral percebe, antes de sair da sala, que poderia ter dado uma resposta melhor para uma das questões. Ele então pede a prova de volta ao professor para que possa fazer a alteração. Proibir o aluno de alterar uma resposta seria uma atitude de avaliação ou de exame?
Instrumentos, currículo e sala de aula bilíngue
O currículo, atualmente orientado pela BNCC em sua elaboração, é o conjunto de conhecimentos, atitudes e habilidades desenvolvidos em cada etapa da educação, divididos entre anos letivos e ciclos de aprendizagem. Tais conhecimentos, atitudes e habilidades, por sua vez, são o objeto da avaliação. Devido a essa conexão direta, é impossível separar avaliação de currículo, ou seja, a avaliação depende do currículo tanto quanto o currículo depende da avaliação.
Conforme a etapa do ciclo, diferentes instrumentos serão mais ou menos eficazes para avaliação das aprendizagens. É importante compreender que não há um instrumento melhor ou pior, e sim instrumentos mais ou menos adequados a certos tipos de avaliação. O bom processo de avaliação é aquele que utiliza diversos instrumentos, considerando os diferentes conhecimentos, atitudes e habilidades a serem avaliados e que oferece múltiplas oportunidades para que o estudante demonstre seu desenvolvimento.
A Educação Bilíngue, por sua natureza holística, naturalmente demanda diversos instrumentos avaliativos. A avaliação de aspectos linguísticos tradicionais – como fala, escrita, vocabulário e gramática – deve acontecer por meio de instrumentos específicos e em momentos separados, sendo norteada por competências e habilidades descritas no Quadro Comum de Referência Europeu. Já os componentes CLIL – objetivo maior da Educação Bilíngue e de amplo escopo taxonômico – carecem de avaliações próprias em seus aspectos factuais, procedimentais ou atitudinais. Sob uma perspectiva CLIL, aspectos da acurácia do uso da língua passam a ser secundários, sendo a inteligibilidade e a função comunicativa da língua os aspectos centrais.
Na avaliação da produção e do desenvolvimento linguístico ou na avaliação de conhecimentos, competências e habilidades desenvolvidos por uma perspectiva CLIL, podemos lançar mão de diversos instrumentos avaliativos:
A observação dos estudantes nos ambientes de aprendizagem permite a avaliação de suas habilidades e atitudes, bem como de suas relações com os outros envolvidos no processo ensino-aprendizagem. É um dos instrumentos avaliativos mais utilizados por educadores, mesmo que não gere, necessariamente, um registro formal e sistêmico. Pode ser acompanhada de escalas adequadas aos objetivos para melhorar sua consistência e sistematização. Esse instrumento é utilizado no Currículo Be principalmente nas etapas de inquiry, que contam com escalas e rubricas específicas para cada momento do trabalho em sala de aula.
As entrevistas e apresentações – que podem ir das perguntas informais direcionadas à turma até as provas orais e aos seminários – não se limitam somente à avaliação de aspectos da linguagem. Podem ser utilizadas na avaliação de conteúdos para fornecer informações importantes sobre os processos internos dos estudantes na aplicação de conhecimentos. Também podem ser acompanhadas de escalas e rubricas para criação de um registro, principalmente na avaliação do componente linguístico.
O portfólio de aprendizagem – um dos instrumentos mais associados à avaliação formativa – permite o registro sistemático da evolução da aprendizagem. Além disso, pode ser utilizado como recurso para outros processos avaliativos, como a entrevista e a apresentação, nos quais o estudante pode apresentar seu portfólio à turma, a outros educadores e até mesmo à comunidade durante eventos escolares, como feiras de ciências ou literárias. Ao desenvolver um portfólio de avaliação, é importante ter definição clara de formato e das atividades que serão registradas. Também é fundamental dedicar tempo à análise periódica dos resultados, ajudando educadores na regulagem do processo de ensino. O portfólio também pode conter espaço para registro de feedback do educador, dos colegas e das famílias sobre a aprendizagem, bem como ser mantido para além dos ciclos de aprendizagem e anos letivos.
As provas tendem a ser o principal instrumento de avaliação aplicado no ambiente escolar a partir da etapa do ensino fundamental. Ao selecionar ou elaborar questões para a prova, é importante avaliá-las de acordo com os objetivos de aprendizagem do ciclo. Também é importante que as instruções sejam claras e adequadas ao estágio de desenvolvimento dos estudantes, considerando seu nível linguístico. Por serem de natureza classificatória, é importante aplicar um tratamento de avaliação aos resultados, considerando os erros comuns e ajustando o currículo ou as estratégias didáticas de acordo.
Os projetos, se associados a outros instrumentos, também podem ser utilizados no processo avaliativo, especialmente no tocante à aplicação dos conhecimentos e nas diversas competências e habilidades transversais necessárias à sua execução. Os procedimentos envolvidos nas diferentes etapas do projeto favorecem as interações entre estudantes, permitindo a avaliação de competências linguísticas receptivas e produtivas por meio do monitoramento próximo e de maneira criteriosa. Aqui o uso de escalas e rubricas também pode favorecer a criação de um registro consistente e sistemático.
Para o Currículo Be, pensar a avaliação de forma consistente a fim de promover um processo de ensino-aprendizagem sólido é inegociável. Por isso, oferecemos às escolas parceiras diversos recursos para avaliar os componentes oferecidos, contemplando conhecimentos, atitudes e habilidades trabalhados ao longo do currículo. Esses recursos podem ser utilizados na elaboração de processos avaliativos completos, com diversos instrumentos adequados à realidade de cada escola parceira, independentemente do perfil ou da visão sobre avaliação e exame. Além disso, a disponibilidade da assessoria pedagógica é integral na elaboração desses processos, seja na utilização dos recursos disponíveis, seja na criação de novos instrumentos.
E, na sua escola, qual é a cultura de avaliação? Ela é entendida como uma parte fundamental do processo de ensino e aprendizagem ou é apenas o seu objetivo? Informa e ajuda na regulagem das aprendizagens ou apenas fornece validação? Você usa mais a avaliação a serviço da aprendizagem ou da seleção? Conte pra gente nos comentários!
Referências
LUCKESI, Cipriano Carlos. (1999) Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições.
PERRENOUD, Philippe. (1999). Avaliação. Da Excelência à Regulação das Aprendizagens.
BANDURA, Albert. (1997). Self-efficacy: The exercise of control.