Entenda por que o uso do português em aulas bilíngues é essencial

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Você já ouviu alguém dizer que falar português em uma aula bilíngue está errado?

 

Essa ideia ainda circula entre educadores e famílias — a crença de que, para aprender inglês de verdade, é preciso uma imersão absoluta, sem espaço para a língua materna.

 

Mas será que isso faz sentido em todos os contextos? Será que adolescentes dos anos finais e do ensino médio, que já enfrentam tantas demandas cognitivas e emocionais, se beneficiam dessa rigidez?

 

A verdade é que o uso do português em aulas bilíngues, longe de ser um erro, pode ser a chave para o engajamento, a confiança e o aprendizado consistente do inglês a longo prazo.

 

Quando o inglês não dá conta

Existem momentos em que insistir no inglês “a qualquer custo” não gera aprendizagem — pelo contrário, pode provocar frustração e distanciamento.

 

Situações comuns em sala de aula incluem:

 

  • Estudantes desmotivados que precisam de acolhimento antes de qualquer conteúdo;
  • Conflitos entre colegas que exigem intervenção empática;
  • Regras e combinados explicados em momentos de baixa atenção;
  • A necessidade de tranquilizar a turma antes de uma avaliação.

 

Nesses contextos, o uso do português em aulas bilíngues funciona como uma ponte emocional.

 

Ele restabelece a confiança, aproxima o educador dos alunos e prepara o terreno para que o inglês volte a circular naturalmente.

 

O português como aliado estratégico no ensino bilíngue

No Brasil, o português é a língua de nascimento e de afeto. É por meio dela que os estudantes constroem identidade, aprendem a se expressar e se sentem seguros.

 

Quando o educador utiliza o português de forma intencional, não está “cedendo” — está validando a experiência emocional dos alunos e criando um ambiente de pertencimento.

 

Valorizar o que o estudante já consegue produzir em inglês é tão importante quanto usar o português como aliado no processo bilíngue.

 

Ao permitir momentos estratégicos de português, o educador mostra que respeita o ritmo de cada aluno. Isso gera segurança para que eles se arrisquem mais na língua adicional, sem medo de errar ou se frustrar.

 

Uso do português em aulas bilíngues: equilíbrio entre afeto e conteúdo

Se o português é a língua do afeto, o inglês é a língua da descoberta e da expansão.

 

É por meio dele que os estudantes exploram novos conhecimentos, acessam o mundo global e desenvolvem autonomia linguística.

 

O segredo está no equilíbrio: o uso do português em aulas bilíngues deve apoiar o processo emocional e social, sem substituir o inglês como língua de aprendizagem.

 

“A mente de uma pessoa bilíngue não é a de dois unilingues. É um sistema dinâmico e complexo, onde as línguas interagem e se influenciam.”

 

— Cummins (2007)

 

Ou seja, não se trata de escolher uma língua, mas de usar ambas de forma consciente e pedagógica.

 

O papel socioemocional da língua

Língua e emoção caminham juntas — não há aprendizado linguístico sem experiência afetiva.

 

Quando os estudantes se sentem acolhidos no português, recebem algo que nenhuma regra gramatical oferece: segurança para se arriscar, errar e participar das atividades em inglês com mais confiança.

 

Esse acolhimento:

 

  • Fortalece a autoestima;
  • Cria um ambiente de pertencimento;
  • Transforma o inglês em ferramenta de expressão real.

 

À medida que vivenciam conquistas — como apresentar projetos ou participar de debates — percebem que o inglês não é um obstáculo, mas uma extensão da própria identidade.

 

Cada sucesso em inglês, apoiado pela confiança construída no português, reforça a autonomia e a motivação para continuar aprendendo.

 

“Particularmente no ensino de inglês, em que os interlocutores podem estar usando a língua como uma língua franca, uma abordagem não centrada em uma cultura específica para a competência intercultural é fundamental e, sob essa perspectiva, uma habilidade-chave para estudantes e professores desenvolverem é a empatia” (Mercer, 2016).

 

Entenda mais sobre: O que é Educação Socioemocional e qual a relação com a Educação Bilíngue

 

3 armadilhas que prejudicam o uso do português em aulas bilíngues

1. Traduzir sempre

Quando o educador oferece tudo em português e inglês, o estudante tende a escolher o caminho mais fácil e ignora a língua adicional.

 

2. Usar o português como muleta

Quando qualquer dificuldade leva automaticamente à tradução, a aprendizagem do inglês perde profundidade.

 

3. Evitar temas complexos em inglês

Subestimar a capacidade dos estudantes afasta a língua adicional de situações acadêmicas reais, reduzindo-a a “língua de atividades simples”.

 

Para pensar…

Será que, muitas vezes, não estamos deixando o português ocupar mais espaço do que deveria nas aulas bilíngues?

 

E se, em vez de vê-lo como um “inimigo”, passássemos a enxergar o uso do português em aulas bilíngues como um aliado estratégico, capaz de fortalecer o engajamento, o vínculo e o aprendizado do inglês?

 


 

Referências

 


 

Juliana Salomão

Juliana Salomão

Juliana Salomão é Assessora Pedagógica no Currículo Be. Licenciada em Letras (Português/Inglês) e bacharel em Comunicação Social, é especialista em Ensino de Língua Inglesa e possui formação em Saúde Mental e Desenvolvimento Humano. Com vasta experiência em sala de aula no contexto bilíngue, hoje atua apoiando educadores na implementação prática e sensível do currículo bilíngue. Curiosa e comprometida com o desenvolvimento humano, atuou com turmas do Ensino Médio como educadora bilíngue e responsável pelas áreas de educação socioemocional e projeto de vida, tanto no período pré quanto no pós-pandêmico. Ao longo desse percurso, teve que se adaptar — e estudar — novas formas de ensinar, aprender e se conectar com os adolescentes em transformação.

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