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Da interferência à competência: a influência da gramática no bilinguismo

6 min

O bilinguismo é um processo natural em um mundo cada vez mais globalizado, onde a comunicação intercultural e o aprendizado de múltiplas línguas se tornam habilidades indispensáveis. E no âmago do aprendizado de qualquer língua está a gramática, que fornece as estruturas necessárias para a formação de frases e, consequentemente, a comunicação efetiva.

 

Neste artigo, você vai explorar, de forma abrangente, o papel da gramática no desenvolvimento bilíngue, destacando sua importância na fluência, na precisão, na competência comunicativa e nos benefícios cognitivos.

 

A importância da gramática na competência linguística

O domínio da gramática é essencial para a aquisição de qualquer idioma. Ela consiste nas regras que governam a estrutura de palavras, frases e sentenças. Para indivíduos bilíngues, entender a gramática de ambas as línguas é crucial para assegurar uma comunicação clara e precisa.

 

De acordo com Ellis (2006), a competência gramatical é vital para o desenvolvimento da proficiência em uma segunda língua, pois permite que os aprendizes internalizem e apliquem, de forma intuitiva, as regras linguísticas.

 

A gramática atua como uma espécie de alicerce que sustenta todas as outras habilidades linguísticas, incluindo a leitura, a escrita, a audição e a fala. Uma sólida compreensão gramatical possibilita que os sujeitos bilíngues evitem mal-entendidos, aumentando a capacidade de se comunicar de maneira mais eficaz e independente em qualquer idioma.

 

Além disso, uma boa base gramatical facilita a aprendizagem de novas palavras e expressões, assegurando que os falantes utilizem o vocabulário de forma natural, adequada e apropriada em diferentes contextos e situações.

 

A interferência linguística e a necessidade da gramática

Durante o processo de aprendizagem de uma segunda língua, é comum que sujeitos bilíngues enfrentem o fenômeno da interferência linguística.

 

A interferência linguística, também conhecida como transferência linguística, é um fenômeno comum no processo de aprendizagem de uma língua adicional. Ela ocorre quando características de uma língua influenciam o uso ou a compreensão de outra língua, resultando em erros ou peculiaridades que refletem as estruturas da língua de nascimento. A interferência pode ser observada nos seguintes aspectos da linguística:

 

  • Interferência fonológica – Quando há transferência de padrões sonoros da língua nativa para a segunda língua. Por exemplo: um falante nativo de espanhol que está aprendendo inglês pode pronunciar “v” como “b”, já que esses sons são alofones (variantes de um mesmo fonema) em espanhol.

 

  • Interferência morfológica – Quando as regras de formação de palavras da língua de nascimento (L1) são aplicadas à língua adicional (L2). Um exemplo disso é um falante nativo de português que adiciona “-ed” para formar o passado em inglês de um verbo irregular, como em “goed” em vez de “went”.

 

  • Interferência sintática – Quando envolve a transferência das regras relacionadas à ordem das palavras na estrutura de frases da L1 para a L2. Por exemplo: um falante nativo de japonês, cuja língua segue a ordem SOV (Sujeito-Objeto-Verbo), pode produzir frases em inglês seguindo essa mesma ordem, como “She cake ate” em vez de “She ate cake”. Ou até mesmo um falante de português que pode erroneamente usar a estrutura de ordem das palavras em sua língua nativa ao falar inglês, resultando em frases como “I have a car red” em vez de “I have a red car”.

 

  • Interferência semântica – Quando se relaciona ao uso inadequado de palavras ou expressões devido à tradução literal ou à interpretação incorreta da língua nativa para a segunda língua. Como exemplo, é possível citar um falante nativo de francês que pode usar a palavra “realize” em inglês para significar “perceber”, já que a palavra francesa “réaliser” tem esse significado.

 

  • Interferência pragmática – Quando as normas culturais e de uso da linguagem da L1 são aplicadas à L2. Por exemplo: um falante nativo de alemão pode parecer mais rude ou áspero ao falar inglês, pois a comunicação em alemão tende a ser mais direta.

 

A interferência linguística é um fenômeno natural e inevitável no aprendizado de uma segunda língua. Embora possa apresentar desafios significativos, também pode oferecer oportunidades para aprofundar a compreensão das diferenças e das semelhanças entre as línguas.

 

Para minimizar os efeitos negativos da interferência linguística, várias estratégias podem ser implementadas no ensino e no aprendizado de línguas. Lightbown e Spada (1990) destacam que a instrução gramatical explícita, combinada com oportunidades de prática comunicativa, é eficaz na redução de erros causados pela interferência linguística.

 

Por meio de práticas gramaticais direcionadas, os estudantes podem adquirir melhor compreensão das diferenças estruturais entre as línguas e, assim, melhorar sua precisão gramatical.

 

Como superar os desafios no ensino da gramática bilíngue

Ensinar gramática em um contexto bilíngue apresenta vários desafios, incluindo a necessidade de equilibrar a instrução em duas línguas e lidar com a interferência linguística. No entanto, existem várias estratégias que podem ser empregadas para superar esses desafios e promover um desenvolvimento gramatical eficaz.

 

Uma abordagem eficaz é a instrução integrada de conteúdos e línguas (CLIL – Content and Language Integrated Learning), na qual a gramática é ensinada com o auxílio de conteúdos acadêmicos relevantes. Essa abordagem permite que os estudantes aprendam gramática em contextos significativos, facilitando a transferência de habilidades gramaticais para situações da vida real.

 

Além disso, o uso de tecnologias educacionais pode ser uma ferramenta valiosa no ensino da gramática bilíngue. Plataformas online como as utilizadas pelo Currículo Be oferecem exercícios interativos, feedback imediato e oportunidades para prática repetida, ajudando os estudantes a internalizar as regras gramaticais de maneira eficaz.

 

A gramática desempenha um papel central no desenvolvimento bilíngue, interferindo positivamente na fluência, na precisão e na competência comunicativa. Compreender e aplicar as regras gramaticais de ambas as línguas é essencial para alcançar um alto nível de proficiência e evitar as interferências linguísticas.

 

Por fim, a gramática contribui para a aquisição de vocabulário e oferece benefícios cognitivos significativos. Portanto, uma abordagem equilibrada, que combine instrução gramatical explícita e prática comunicativa, é fundamental para o desenvolvimento eficaz do bilinguismo.

 


Referências

Bialystok, E. (2009). Bilingualism: The good, the bad, and the indifferent. Bilingualism: Language and Cognition, 12(1), 3-11. Disponível em: <https://www.cambridge.org/core/journals/bilingualism-language-and-cognition/article/bilingualism-the-good-the-bad-and-the-indifferent/36BAEB01D08C92D992254A6B89C22BB0>.

 

Ellis, R. (2006). Current issues in the teaching of grammar: An SLA perspective. TESOL Quarterly, 40(1), 83-107. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/260304273_Current_Issues_in_the_Teaching_of_Grammar_An_SLA_Perspective>.

 

Lightbown, P. M., & Spada, N. (1990). Focus-on-form and corrective feedback in communicative language teaching: Effects on second language learning. Studies in Second Language Acquisition, 12(4), 429-448. Disponível em: <https://www.cambridge.org/core/journals/studies-in-second-language-acquisition/article/abs/focusonform-and-corrective-feedback-in-communicative-language-teaching/64139A59F191DFAF3123CC871B3B61EE>.

 

Nation, I. S. P. (2001). Learning Vocabulary in Another Language. Cambridge University Press. Disponível em: <https://www.cambridge.org/core/books/learning-vocabulary-in-another-language/491314AA1B451AD04F3536000F1C9F0D>.

 

Norris, J. M., & Ortega, L. (2000). Effectiveness of L2 instruction: A research synthesis and quantitative meta-analysis. Language Learning, 50(3), 417-528. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/0023-8333.00136>.

 


 

Lucas S. Reis

Lucas S. Reis

Assistente de Logística & Key Account do Be - Currículo Bilíngue. Formado em Relações Públicas pela PUC Minas. Membro de grupos, projetos e programas de pesquisa e extensão na área de Desenvolvimento Social, como o PUC Inclusiva, que desenvolve iniciativas para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

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