Você já se perguntou qual deve ser o maior objetivo de um professor?
De acordo com o Dr. Shane Dixon, da Arizona State University, o propósito principal do professor é desenvolver tamanha autonomia em seus alunos de modo que eles não precisem mais de você. Nossa meta, em algum sentido, é sair cada vez mais do nosso papel e deixar o aluno ser capaz de realizar uma tarefa sozinho.
O conceito é o seguinte: pense em uma “mãe pássaro”. Ela sabe o momento exato em que seus passarinhos, a quem ela ama, estão prontos para voar sozinhos. Nossos alunos, naturalmente, nos deixarão logo, logo. E, para tanto, devemos guiá-los.
O que seria então a autonomia?
A autonomia refere-se à capacidade de as crianças tomarem decisões, resolverem problemas e assumirem responsabilidades. Desenvolver essas habilidades desde a tenra infância contribui não apenas para o sucesso acadêmico, mas também para a formação de indivíduos confiantes e independentes.
Autonomia no Ensino Bilíngue
O ensino bilíngue apresenta desafios excepcionais, mas também oferece oportunidades únicas para o desenvolvimento da autonomia. A exposição a duas línguas desde cedo pode estimular o pensamento crítico e a adaptabilidade, fundamentais para a autonomia.
Ao cultivar a autonomia de crianças em sala de aula, sobretudo no contexto do ensino bilíngue, estamos não apenas capacitando-as academicamente, mas também moldando cidadãos globais, aptos a enfrentar os desafios futuros com um repertório que provê múltiplas possibilidades de solução para uma mesma questão. O estímulo à independência linguística e cognitiva contribui para o desenvolvimento integral dessas crianças, preparando-as para um mundo cada vez mais interconectado e diversificado.
E como podemos desenvolver tal habilidade nas crianças?
A seguir, veremos alguns pontos cruciais para o desenvolvimento da autonomia.
Segurança
Devemos, antes de tudo, criar um ambiente seguro de aprendizagem para que o aluno se sinta cada vez mais confiante ao fazer uma atividade. Nada acontece de um dia para o outro e sem explicação, especialmente com crianças que precisam de segurança para desenvolver suas habilidades cognitivas e socioemocionais. De acordo com a Pirâmide de Maslow, na hierarquia de necessidades humanas, a segurança ocupa o segundo nível, sendo um pilar anterior à formação de outras necessidades, como a autoestima e o respeito ao próximo. Nesse nível, estão os elementos que fazem o indivíduo se sentir mais seguro, tanto em casa como em ambientes mais complexos como a sala de aula.
Devemos estar preparados para prover nossos alunos com segurança suficiente, de modo que eles estejam prontos para realizar uma tarefa ou atuar sem um guia (act without guidance).
Filtro Afetivo
A hipótese de Krashen, chamada de affective filter (filtro afetivo), é um filtro psicológico invisível que pode facilitar ou dificultar a produção linguística em uma língua adicional. Quando o filtro está alto, os alunos se sentem estressados e ansiosos, o que pode dificultar o aprendizado, gerando falta de confiança e possivelmente um processo que inibe a aquisição de uma segunda língua. Já quando o filtro está baixo, os alunos se sentem confiantes o suficiente para responder a perguntas, se expor, cometer erros sem se impressionar com julgamentos, interagir com outras pessoas, compartilhar seus pensamentos, entre outros.
Diferentes abordagens, como o Affective Humanistic Approach (1970), nos ajudam a entender e a respeitar os sentimentos dos alunos durante o aprendizado e usam reforço positivo, o que pode aumentar a velocidade do aprendizado.
Lesson Design
A boa vontade e o amor pela profissão são ferramentas extremamente relevantes. Entretanto, é de suma importância o uso de técnicas e abordagens que realmente possam influenciar a preparação da aula e os objetivos a serem alcançados e que consequentemente equilibrem o filtro afetivo. Tudo deve estar claro e alinhado às atividades propostas. Assim, os alunos não vão se sentir inseguros ao tentar realizar uma tarefa que não tenha sido devidamente modelada, que esteja desalinhada com o que foi apresentado ou que, já na avaliação, exija que o aluno seja capaz de responder a algo fora de seu nível de alcance previamente instruído.
Além disso, informar os alunos sobre os objetivos permite que eles entendam os alvos a serem alcançados e a finalidade das aulas em geral. E pode dar aos alunos uma visão importante não apenas sobre o que você está ensinando, mas também por que está ensinando.
Para melhor compreender os efeitos da Lesson Design no desenvolvimento da autonomia, segue o que o famoso psicólogo educacional estadunidense Robert Gagné chama de os 9 eventos de instrução.
1. Ganhar a atenção e o interesse de sua audiência
Ganhar a atenção dos alunos não é somente dizer “Ei, preste atenção!”, mas sim garantir que eles estejam prontos para aprender e participar das atividades. Existem alguns métodos para capturar a atenção dos alunos. Por exemplo, estimulá-los com novidades e surpresas.
2. Informar os alunos sobre os objetivos
Como citado anteriormente, informe os alunos sobre os objetivos e resultados a serem alcançados. Você pode descrever critérios de desempenho e o desempenho necessário para alcançar certo objetivo, desde que alinhado com a idade do aprendiz.
3. Estimular a recordação do que foi aprendido anteriormente
Guie os alunos por caminhos que eles já percorreram; relacione os conteúdos a algo já conhecido ou experimentado.
Existem inúmeras técnicas que estimulam a lembrança do que foi aprendido, como perguntar sobre experiências anteriores e acessar conceitos e conteúdos previamente lecionados.
4. Apresentar o conteúdo
Faça uso de múltiplas estratégias para apresentar um conteúdo: vídeos, material autêntico, podcast, realia, trabalho em duplas e em grupo. As metodologias ativas podem motivar os alunos a serem protagonistas e a se manterem engajados.
Lembre-se de disponibilizar material para que o aluno possa revisitar e/ou aprofundar o conhecimento fora da sala de aula.
5. Dar orientação ao aluno
Mostre como ele deve aprender; instrua-o acerca de estratégias que possam auxiliá-lo na aprendizagem de conteúdo e recursos disponíveis.
O scaffolding (andaime ou suporte temporário para que os estudantes alcancem gradativamente maior compreensão e autonomia no processo de ensino-aprendizagem) pode ser removido vagarosamente assim que o aluno aprende e domina o conteúdo.
6. Elicitar performance (prática)
Faça uso da regra do 80/20: 20% de teoria e 80% de prática.
Aplique o que os alunos aprenderam para assim reforçar os conceitos vistos.
Pergunte sobre o tema, ajude seus amigos em tarefas, forneça avaliação formativa com feedback, em que o professor pode verificar e aprofundar se o aluno realmente entendeu certo conceito. Por exemplo: quizzes e apresentações, trabalhos escritos, projetos, questionários, etc. Lembre-se de sempre modelar e nivelar bem o que será solicitado com o que foi oferecido.
7. Fornecer feedback
Há várias formas de feedback. Essa ferramenta pode dizer em que o aluno deve melhorar, mostrar a precisão de seu desempenho, orientar sobre como achar a resposta sem dizê-la, dar sugestões, ajudar o aluno a identificar possíveis gaps em seu aprendizado, etc.
8. Avaliar o desempenho
Avalie se o objetivo previamente sinalizado foi alcançado. Alguns métodos como atividades de pré e pós-teste verificam a progressão da aprendizagem, assim como atividades curtas. Elabore rubrics, um tipo de guia de pontuação que avalia e articula componentes e expectativas específicas para uma tarefa.
9. Melhorar a retenção
Aproveite as oportunidades para que seus alunos retenham as informações, conectando os conceitos a possíveis aplicações no mundo real. Associe conceitos a temas passados e futuros para reforçar conexões. Converter a informação aprendida para diferentes formatos – por exemplo, verbal ou visual –, ajuda na promoção de uma aprendizagem profunda.
O ambiente de sala de aula
O modo como a sala de aula funciona e o apoio à autonomia podem encorajar o envolvimento inicial com as atividades de aprendizagem e promover um investimento psicológico mais duradouro no pensamento de nível profundo.
Crie um ambiente acolhedor e positivo, que encoraje a participação ativa das crianças. Um espaço bem-organizado e atrativo promove a independência na busca por recursos e informações.
As rotinas previsíveis também fornecem estrutura e ajudam as crianças a entender o que se espera delas. Isso permite que elas antecipem as atividades e desenvolvam o senso de responsabilidade.
Por fim, concluímos que a autonomia não apenas desenvolve as habilidades cognitivas dos alunos, mas também colabora para o desenvolvimento de competências socioemocionais.
Ao permitir que os estudantes tenham voz e participação ativa em sua jornada educacional, os educadores cultivam a autonomia, o senso de responsabilidade e a autenticidade. Autonomia em sala de aula não se trata apenas de dar liberdade aos alunos, mas de guiá-los para se tornarem aprendizes autônomos, capazes de assumir a responsabilidade pelo próprio aprendizado.
Portanto, podemos afirmar que a autonomia em sala de aula é um investimento valioso no desenvolvimento integral dos alunos, preparando-os não apenas para o sucesso acadêmico, mas também para a vida fora das salas de aula. Educadores e instituições de ensino desempenham um papel crucial ao criar ambientes que promovam e incentivem a autonomia, contribuindo para a formação de cidadãos críticos, reflexivos e autônomos.
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Referências
Candice R. Stefanou , Kathleen C. Perencevich , Matthew DiCintio & Julianne C. Turner (2004) Supporting Autonomy in the Classroom: Ways Teachers Encourage Student Decision Making and Ownership, Educational Psychologist, 39:2, 97-110, DOI: 10.1207/s15326985ep3902_2
https://www.significados.com.br/piramide-de-maslow/
https://citt.ufl.edu/tools/gagnes-9-events-of-instruction/
https://pdfs.semanticscholar.org/3e88/421bfd86a4277000892199772c566282915f.pdf
https://teaching.cornell.edu/teaching-resources/assessment-evaluation/using-rubrics