O que Da Vinci, Picasso, Agatha Christie e Tom Cruise têm em comum?
Além de um talento absurdo e de terem deixado seu nome na história da humanidade, eles eram disléxicos. No caso de Tom Cruise, claro, ele ainda convive com essa condição. Logo, dislexia não tem a ver com o nível de inteligência, nem é resultado de preguiça ou falta de vontade do aprendiz.
Segundo o Instituto ABCD, um dos maiores e mais respeitados institutos brasileiros que trabalham com dislexia, quase 4% da população brasileira é disléxica (cerca de 8 milhões de pessoas).
O que é então a dislexia?
A dislexia é um transtorno específico da aprendizagem, de origem neurobiológica, caracterizado pela dificuldade no reconhecimento preciso e/ou fluente da palavra, na habilidade de decodificação e em soletração. Essas dificuldades normalmente resultam de um déficit no componente fonológico da linguagem e são inesperadas em relação à idade ou outras habilidades cognitivas. Dislexia não é uma doença, tampouco uma deficiência.
Uma vez que a criança tenha recebido o diagnóstico de dislexia, a escola precisa começar a trabalhar com as adaptações para atendê-la. Mesmo que muitos gestores e diretores sejam resistentes, a dislexia requer atenção e adaptação sempre que necessário. Com base na Lei 14.254, de novembro de 2021, que “dispõe sobre o acompanhamento integral para educando com dislexia, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem”, fica evidente a necessidade de um olhar especial e específico para a questão.
Além disso, existe outra camada por trás do diagnóstico de dislexia que reflete sobre os níveis de leitura e escrita de nossas crianças de modo geral. Quando o diagnóstico vem nos Anos Finais, é preciso se perguntar que peculiaridades tem essa criança em relação à alfabetização e se os professores conseguem identificar os níveis de leitura e escrita dessa criança. Considerando que os primeiros sinais de dislexia já podem ser vistos na Educação Infantil, não reconhecer esses fatores pode indicar uma falha no processo da escola.
Será que não nos beneficiaríamos todos – estudantes, educadores e comunidade escolar – ao ter processos que identificassem, ano a ano, os níveis de leitura e escrita das crianças, para que intervenções reais e pontuais acontecessem, dando oportunidade a esses estudantes de chegarem ao Ensino Médio lendo e escrevendo com facilidade e de modo fluente?
É importante levar em conta que, depois do diagnóstico de dislexia, ou mesmo diante da possibilidade de a criança estar num processo de avaliação diagnóstica, já podemos entender os níveis reais de leitura e escrita dessa criança e fazer as adaptações e as intervenções necessárias.
Por que reforçar tanto a questão dos níveis de leitura e escrita? Por uma questão bem simples. O material do 6º ano, por exemplo, considera uma determinada proficiência linguística a ser adquirida por meio do desenvolvimento de atividades com certo nível de leitura e escrita. Se o aprendiz não chegou a esse nível, como podemos esperar que ele tenha um desempenho almejado com base nesse material sem que seja adaptado? E se não soubermos em qual nível de leitura e escrita esse estudante se encontra, como podemos planejar adaptações eficientes?
O que ajuda no trabalho de adaptação e elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI)?
- Identificar os níveis de leitura e escrita para saber quais serão os passos para o estudante atingir o próximo nível.
- Estabelecer uma rotina de estudos e atividades adicionais para reforçar a escrita e a leitura.
- Quebrar as atividades em passos menores, sempre explicados um por vez, e com a verificação da instrução dada.
- Destinar um tempo maior para o desenvolvimento das atividades, já que os disléxicos tendem a sofrer também com a dificuldade de organização.
- Trabalhar com esquemas mentais e pequenos resumos para ajudar na memorização.
- Evitar textos longos nos enunciados.
- Ser direto, objetivo e claro ao se comunicar com a criança e nos enunciados das atividades.
- Não usar duplo sentido ou perguntas com negações.
- Planejar materiais impressos com espaçamento maior entre as linhas e entre as palavras.
- Usar caixa alta para facilitar a leitura dos estudantes.
- Usar negrito somente quando for dar ênfase, e não apenas para atender às questões estéticas.
- Editar os títulos em fonte preferencialmente 20% maior que o restante do texto.
- Usar a voz ativa na escrita em vez da voz passiva.
- Usar fontes limpas, claras e sem serifa. Hoje é possível baixar fontes específicas para materiais destinados ao trabalho com dislexia. A fonte OPEN DYSLEXIC é gratuita. Se preferir, há outras fontes no mercado, mas são pagas.
Quais outros recursos digitais podem auxiliar?
No Google Chrome, as extensões OPEN DYSLEXIC e DYSLEX.IE trabalham com todas as páginas de navegação, editando as letras e possibilitando “recortar” páginas muito longas, deixando apenas o essencial. No YouTube, os tutoriais também são bem simples e acessíveis. Ensinam claramente como usar essas ferramentas.
Já testei a Open Dyslexic no meu computador e a mudança é grande para o trabalho de navegação. Há diversas outras extensões que podem ser testadas pelo estudante para ver com qual ele lida melhor. Basta digitar “Dyslexic” na aba de busca da Chrome Store.
Caso seu navegador seja o Mozilla, a extensão é a Mobile Dyslexic, bem parecida com a extensão do Chrome.
Para celulares, o aplicativo Aramumo, desenvolvido por estudantes do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em parceria com o Instituto ABCD, foi desenhado exclusivamente para crianças disléxicas e oferece jogos específicos para o desenvolvimento linguístico.
No ensino de línguas, usar o Duolingo pode auxiliar os estudantes, já que as lições são curtas; trabalham diversos aspectos que tornam as atividades menos cansativas para os disléxicos.
É importante ter em mente, no entanto, que nem toda ferramenta servirá para todos. Entender a individualidade de cada estudante é o que guiará a eficiência e a eficácia da metodologia, dos métodos e dos materiais.
Material ampliado e sua utilização
Utilizar material ampliado também é uma opção para facilitar o espaço de movimentação da mão e das letras, bem como para ajudar na leitura. Mas sem o devido trabalho, no entanto, será apenas um material grande.
Não há receita pronta para nada no que diz respeito à inclusão. A premissa de utilização do material ampliado pode se basear, por exemplo, na quebra de textos muito longos e que estejam acima do nível de leitura da criança; na edição das instruções; na edição da possibilidade de realização da atividade (mediante um desenho ou oralmente, por exemplo). A quantidade de atividades e imagens por página e a orientação da página também são elementos que vão direcionar o trabalho com este material.
Por fim, reforço o quão é importante entender o nível de leitura e escrita dos aprendizes. Só assim e com uma comunicação assertiva – ou seja, de maneira clara, tranquila, segura e sem dupla interpretação – você poderá estimulá-los e ajudá-los no desenvolvimento dessas habilidades.
Quer saber mais sobre este tema? Deixo aqui a indicação de dois sites essenciais que trazem informações e formações incríveis no campo da dislexia. Lembre-se de que você não está só! Esta jornada está só começando e podemos ir muito longe juntos!
“A luta por inclusão começa quando você entende que o capacitismo é o problema, e não a deficiência.”
Autor desconhecido