Comportamentos autísticos ou comportamentos infantis típicos: tem diferença?

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Você já se perguntou se certos comportamentos observados em crianças são  apenas uma fase natural do desenvolvimento ou indicam algo mais profundo, como o  autismo? Essa dúvida é comum entre famílias e educadores, especialmente quando uma criança demonstra dificuldade de socialização ou repete padrões de comportamento  de forma intensa.  

 

O comportamento de uma criança é uma das maiores fontes de atenção para famílias e educadores, especialmente quando há dúvidas sobre o que é considerado  “normal” em termos de desenvolvimento. Birras, padrões repetitivos, dificuldade de socialização – todos esses comportamentos podem aparecer em diferentes fases da  infância. No entanto, quando eles persistem ou se tornam marcantemente repetitivos, surge a questão: seriam esses comportamentos considerados naturais ao desenvolvimento infantil ou poderiam ser indicativos de  Transtorno do Espectro Autista (TEA)?  

 

Pensando nisso, este artigo busca estabelecer as diferenças entre  comportamentos infantis típicos e comportamentos relacionados ao autismo, destacando suas características e a importância de identificá-los corretamente. 

 

Desenvolvimento infantil e comportamento típico

Durante o desenvolvimento infantil, as crianças podem passar por diversas fases  em que determinados comportamentos são esperados, como testar limites, ter  dificuldade para se concentrar por longos períodos e exibir padrões repetitivos de  ação. 

 

Segundo Jean Piaget, um dos mais influentes teóricos do desenvolvimento infantil, crianças pequenas muitas vezes exibem características como egocentrismo (dificuldade em compreender perspectivas alheias) e exploração do ambiente (tocar, experimentar e repetir ações para entender o mundo ao seu redor).

 

Nessa fase, comportamentos como a teimosia e a birra são considerados comuns. Crianças pequenas continuam desenvolvendo habilidades de regulação emocional e de comunicação, o que frequentemente leva a episódios de frustração. 

 

Além disso, o comportamento repetitivo, como assistir ao mesmo filme várias  vezes ou repetir certos jogos, faz parte do desenvolvimento cognitivo. Esse tipo de  repetição ajuda a criança a desenvolver novas habilidades e a ganhar confiança naquilo que já conhece.

 

Então, o que caracteriza o autismo?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), também conhecido popularmente como  autismo, é uma condição neurológica que afeta o desenvolvimento social,  comportamental e comunicativo. De acordo com o Manual Diagnóstico e  Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o autismo é caracterizado por déficits persistentes na comunicação social e por comportamentos repetitivos e restritivos. Esses sinais podem aparecer já nos primeiros anos de vida e variam em intensidade. Embora algumas crianças com TEA desenvolvam a linguagem, outras podem apresentar dificuldade para se expressar verbalmente. 

 

Uma das características mais marcantes do TEA é a preferência por padrões  repetitivos de comportamento. Crianças autistas podem alinhar objetos por longos  períodos ou ficar fascinadas por partes específicas de brinquedos (como as rodas de um carrinho, por exemplo) em vez de usá-los da maneira tradicional. Além disso, crianças com autismo frequentemente têm interesses restritos (também conhecidos como  hiperfocos) e podem se concentrar intensamente em um único tema, como  dinossauros ou números, exibindo pouca variação em suas atividades diárias. 

 

Diferenças fundamentais entre comportamentos infantis típicos e comportamentos autísticos

Embora comportamentos repetitivos e birras sejam comuns tanto em crianças  neurotípicas quanto em crianças com autismo, as diferenças fundamentais entre os dois grupos são observadas em termos de persistência, intensidade e impacto na  socialização. 

 

A seguir, algumas diferenças importantes entre comportamentos infantis típicos e comportamentos autísticos: 

 

  1. Repetição de comportamentos 

Crianças neurotípicas costumam passar por fases de repetição, como assistir ao  mesmo filme repetidamente ou brincar com o mesmo brinquedo. No entanto, essa  repetição tende a ser temporária e faz parte do aprendizado. Em contrapartida, crianças  com TEA podem apresentar comportamentos repetitivos de forma intensa e  persistente, muitas vezes envolvendo a organização obsessiva de objetos ou movimentos repetitivos (como balançar o corpo). Esses comportamentos repetitivos podem não ter um objetivo aparente e, em alguns casos, interferem na capacidade da criança de explorar novos ambientes ou atividades. 

 

  1. Comunicação e interação social 

Outro ponto de diferenciação importante é a comunicação social. Crianças com  desenvolvimento típico, mesmo que sejam tímidas ou que tenham dificuldades temporárias para se comunicar, tendem a desenvolver gradualmente habilidades sociais e verbais. Elas podem aprender a compartilhar, brincar com outras crianças e interpretar expressões faciais e gestos ao longo do tempo. Por outro lado, uma das características  principais do autismo é a dificuldade de interação social.  

 

Crianças com TEA podem ter pouca ou nenhuma fala, evitar contato visual e  apresentar dificuldade para interpretar emoções. Elas também podem não demonstrar  interesse em brincar com outras crianças, preferindo interações solitárias ou repetitivas. Tais particularidades não se limitam a fases temporárias, como no caso de crianças neurotípicas, mas são traços persistentes e característicos do transtorno. 

 

  1. Reação a mudanças e interesses restritos 

Enquanto crianças neurotípicas podem mostrar resistência inicial a mudanças de  rotina, elas geralmente se adaptam com o tempo. Crianças com autismo, no entanto, frequentemente têm uma forte resistência a mudanças. Pequenas alterações no  ambiente ou na rotina diária podem gerar grande ansiedade e frustração. Além disso, seus interesses costumam ser muito restritos e, muitas vezes, incomuns para a idade. Uma criança com TEA pode, por exemplo, fixar-se em horários, calendários ou números, excluindo outros interesses comuns para sua faixa etária. 

 

Uma das maiores diferenças entre comportamentos infantis típicos e comportamentos autísticos é o impacto que eles causam no cotidiano da criança e da  família, bem como no processo de escolarização. Comportamentos infantis típicos, mesmo que desafiadores, tendem a diminuir à medida que a criança amadurece e desenvolve novas habilidades cognitivas, emocionais e sociais. Comportamentos autísticos, por outro lado, podem interferir no progresso escolar, nas relações sociais e até nas atividades diárias básicas, como se vestir ou se alimentar.

 

Segundo estudo publicado na revista Autism Research, a dificuldade de  interação social e os comportamentos repetitivos presentes em crianças com autismo podem dificultar a participação em atividades típicas da infância, como jogos cooperativos ou eventos escolares. Essas limitações destacam a necessidade de  intervenções precoces para ajudar crianças com TEA a desenvolverem habilidades de  comunicação e socialização. 

 

Sendo assim, identificar corretamente a diferença entre comportamentos infantis  típicos e comportamentos autísticos é crucial para garantir que crianças com TEA recebam o apoio necessário  o mais cedo possível. A intervenção precoce pode melhorar significativamente o desenvolvimento de crianças com autismo, ajudando-as a adquirir habilidades sociais,  linguísticas e cognitivas. 

 

Para famílias e educadores que percebam comportamentos que pareçam preocupantes, algumas perguntas podem ajudar a identificar a necessidade de uma  avaliação mais detalhada: 

  • Esses comportamentos estão interferindo nas interações sociais da criança?
  • A criança está mostrando algum progresso nas habilidades de comunicação? 
  • Os comportamentos repetitivos ou interesses restritos são persistentes e intensos? 
  • A criança tem reações extremas a mudanças de rotina? 

 

Responder a essas perguntas pode ajudar a determinar se os comportamentos  observados são parte de um desenvolvimento típico ou se há sinais de TEA que  exigem uma avaliação mais aprofundada. Obviamente que essa avaliação deve ser feita por profissional especialista no assunto.

 

Entendendo as diferenças e promovendo o apoio

Embora comportamentos infantis típicos e comportamentos autísticos possam, em alguns casos, parecer semelhantes, há diferenças fundamentais que precisam ser compreendidas. Comportamentos típicos fazem parte do crescimento e do desenvolvimento orgânicos, enquanto comportamentos autísticos refletem características persistentes de um transtorno neurológico que afeta especialmente a comunicação e a interação social. Reconhecer essas diferenças é primordial para garantir que as crianças com TEA recebam as intervenções e o apoio necessários para seu desenvolvimento. 

 

O diagnóstico precoce, combinado com intervenções adequadas, pode ajudar crianças autistas a desenvolverem habilidades sociais, cognitivas e de comunicação que melhorem sua qualidade de vida e aumentem suas oportunidades de sucesso escolar e social. A conscientização e o entendimento das diferenças entre comportamentos infantis típicos e comportamentos autísticos são passos importantes para criar um ambiente mais inclusivo e compreensivo para todas as crianças.

 


REFERÊNCIAS 

Piaget, J. (1952). The Origins of Intelligence in Children. International Universities  Press. Disponível em: <https://doi.org/10.1037/11494-000

 

American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental  Disorders (DSM-5). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing. Disponível  em:<https://repository.poltekkes 

kaltim.ac.id/657/1/Diagnostic%20and%20statistical%20manual%20of%20mental%20dis orders%20_%20DSM-5%20(%20PDFDrive.com%20).pdf>

 

Lai, M-C., Lombardo, M. V., & Baron-Cohen, S. (2014). Autism. The Lancet, 383(9920),  896-910. Disponível em:<https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140- 6736(13)61539-1/abstract

 

Dawson, G., Rogers, S., Munson, J., Smith, M., Winter, J., Greenson, J., & Varley, J.  (2010). Randomized, Controlled Trial of an Intervention for Toddlers with Autism: The  Early Start Denver Model. Pediatrics, 125(1), e17-e23. Disponível  em:<https://doi.org/10.1542/peds.2009-0958>


 

Lucas S. Reis

Lucas S. Reis

Assistente de Logística & Key Account do Be - Currículo Bilíngue. Formado em Relações Públicas pela PUC Minas. Membro de grupos, projetos e programas de pesquisa e extensão na área de Desenvolvimento Social, como o PUC Inclusiva, que desenvolve iniciativas para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

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